
Em tempos de COVID-19…
um contributo do serviço de Psicologia do CBEI
As últimas semanas têm-se revelado um verdadeiro desafio para todos nós. A situação que atravessamos atualmente é inédita, confusa e deixa-nos repletos de dúvidas, inseguranças e inquietações.
Num momento delicado como este, o serviço de psicologia do CBEI vem dar o seu contributo, partilhando neste espaço alguns conteúdos que, esperamos, sejam úteis e que contribuam para a manutenção do bem-estar nestes tempos incertos.
Pretende-se que este seja um espaço de partilha para todos, acreditando que juntos e num esforço concertado, com espírito cívico e senso de comunidade, respeitando e cumprindo criteriosamente as recomendações e orientações das entidades oficiais (Organização Mundial de Saúde (OMS) e Direção-Geral de Saúde (DGS)), seremos capazes de ultrapassar este período mais difícil e retomar as nossas rotinas habituais.
A informação disponibilizada neste espaço terá por base as orientações da OMS e da DGS, bem como as indicações e recomendações da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), sendo regularmente atualizada.
O serviço de Psicologia coloca-se desde já à disposição para responder às vossas questões através do e-mail ensino.psicologia@cbei.pt
Criatividade em Tempos de Isolamento
O serviço de Psicologia está de volta até vós com mais conteúdos que, esperamos, vos tragam algum ânimo para enfrentar estes tempos incertos que continuamos a viver. Queremos ajudar-vos a perceber que o arco-íris só é possível porque existem nuvens de chuva e sol… hoje é tempo de olhar para o sol!
Na publicação anterior terminámos com a frase “Sejam criativos!” e é essa ideia que dá o mote para as palavras que vos iremos deixar desta vez.
Esta semana vamos falar-vos sobre criatividade em tempos de isolamento!
O período de confinamento já vai longo e é natural que com ele surja não só nos adultos, como também nas crianças, algum aborrecimento. Nestes dias não se pode ir à rua passear, brincar no jardim ou no parque, andar de bicicleta…
Por agora é importante ficar em casa e, como vos falámos na publicação anterior, procurar manter e adaptar rotinas de forma a promover a regulação emocional e comportamental, fundamentais neste momento. Apesar disso, esta ideia de manutenção e adaptação das rotinas não é incompatível com a necessidade e importância de serem criativos, de darem largas à imaginação, de introduzirem novidade naquilo que fazem. Curiosamente, é até a existência de rotinas que vos permite “libertarem-se” para outras direções e experiências, para estimularem a criatividade.
Voltemos então à ideia de aborrecimento muito presente no contexto de isolamento. Deve ser recorrente por estes dias os pais ou cuidadores ouvirem reclamações por parte das crianças e terem de lidar com birras dos mais novos, cansados de estar fechados em casa e já sem saber o que fazer para ocupar os dias. É aqui que entra uma peça importante: a criatividade!
A criatividade remete para a capacidade de inovar, de ser original e, para isso, precisamos de um estímulo, de algo que dê um “clique” à nossa imaginação. Um bom estímulo à nossa criatividade pode ser o estado de aborrecimento, o facto de não se ter nada para fazer, que, naturalmente, vai surgindo durante o período de isolamento.
De facto, o estado de aborrecimento pode ser uma via para a criança se autodescobrir, perceber do que gosta e conhecer os seus limites, na medida em que a leva a procurar, de uma forma mais ou menos eficiente, dependendo dos recursos emocionais e cognitivos de que dispõe, ferramentas para lidar com a situação, sendo uma delas a criatividade.
Uma forma fundamental de estimular a criatividade das crianças é deixá-las brincar, brincar, brincar. Isso mesmo! É essencial dar oportunidades e espaços para as crianças estarem em contexto de brincadeira, quer sozinhas, quer acompanhadas, sendo o brincar individual importante para a promoção da autonomia.
Mas como podem as crianças dar largas à imaginação durante o período de isolamento?
De acordo com Vygotsky, um nome importante na Psicologia da educação e do desenvolvimento, a imaginação é um processo criativo e transformador que parte de algo concreto concretizando-o em algo diferente através do uso da abstração. Confuso? Vamos tentar trocar por miúdos.
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Já pensaram em transformar molas da roupa em carruagens e construir um comboio que vos levará a um passeio mágico por entre montes e vales? Ou que tal construir uma casa com um livro e uma caixa de sapatos? Com um guardanapo e um talher dá para fazer uma verdadeira batalha naval! E porque não um jogo de futebol com tampas de plástico? Ou um acampamento na sala esta noite, com almofadas e cobertores?
Pois é…. As possibilidades são infinitas. Basta que deem largas à vossa imaginação. Que partam de algo concreto em direção a outro concreto, com a ajuda da abstração.
Assim, neste momento, é importante que os adultos criem e proporcionem tempos para as crianças brincarem e explorarem o contexto que agora têm à sua disposição que, embora mais restrito, é igualmente rico em oportunidades de criar e modificar, de descobrir e alimentar a curiosidade.
E qual a importância de estimular a criatividade das crianças em tempos de isolamento?
Vygotsky, o psicólogo de que já vos falámos, refere que a imaginação e a criatividade são fundamentais para um bom funcionamento social. Crianças mais criativas são mais competentes na manipulação de símbolos e ferramentas psicológicas e, por consequência, têm uma maior competência do ponto de vista social, na sua relação com os outros.
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Por exemplo, são mais eficazes na resolução de conflitos interpessoais, procurando soluções criativas e eficazes para lhes dar resposta. A colocação em prática de ideias derivadas da imaginação em contexto de brincadeira permite às crianças transferir competências socioemocionais relevantes para os contextos reais de interação, tornando-as mais socialmente competentes.
Além disso, a criatividade e a imaginação permitem às crianças verem além dos estímulos disponíveis no contexto imediato, permitindo-lhes lidar mais eficazmente com a frustração e regular as suas emoções e comportamentos de uma forma mais ajustada.
Em tempos difíceis todas estas competências sociais e emocionais transformam-se em ‘superpoderes’ para mais eficazmente se lidar com a adversidade. Pequenos grandes heróis que desenvolvam ferramentas e ‘poções mágicas’ conseguirão de forma mais eficiente transformar a adversidade em aprendizagem e crescimento.
Neste sentido, consideramos ser importante e essencial que, neste período de isolamento, seja dada à criatividade a verdadeira importância que esta assume. Deem largas à imaginação! Vão além daquilo que os vossos olhos veem e os vossos ouvidos ouvem. Procurem abstrair-se e estimulem as crianças a fazer o mesmo. Aprendam com elas!
Fontes:
- Moran, S., & John-Steiner, V. (2003). Creativity in the making: Vygotsky‘s contemporary contribution to the dialetic of development and creativity. In R. K. Sawyer et al. (Eds.) Creativity and Development (pp. 61-90). Nova Iorque: Oxford University Press.
- https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Desenvolvimento/noticia/2017/03/criatividade-infantil-o-segredo-e-deixar-crianca-brincar.html
- https://observador.pt/2016/07/14/este-verao-deixe-os-seus-filhos-aborrecerem-se/
- http://atentainquietude.blogspot.com/2019/10/rotinas.html